Nota de apoio aos estudantes da EE Antonio Manuel Alves de Lima que dizem não aos muros

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Foto em protesto tirada pelos estudantes

Nós do Katu, um coletivo autônomo de jovens educadores(as) e professores(as) libertários(as), somos solidários(as) à luta dos alunos da Escola Estadual Antônio Manuel Alves de Lima em busca de participação política nas decisões da escola.

Na segunda-feira dessa semana, dia 02\12, os alunos fizeram uma manifestação durante período de aula para reivindicar uma reunião de conselho da escola REALMENTE DELIBERATIVO para os alunos efetivamente poderem colocar em pauta, discutir e votar a respeito da construção de um muro no pátio e ampliação das muretas dos corredores das salas 10 a 13. Mesmo não sendo devidamente consultados ou sequer informados da decisão arbitraria da direção da escola de fechar o pátio e os corredores, o três muros foram erguidos na surdina no fim de semana anterior ao ato.

Entretanto, houve tentativa da direção da escola de desmobilizar e criminalizar a mobilização. Alguns estudantes, que fizeram parte da comissão de comunicação da manifestação, e também alguns professores solidários ao movimento foram constrangidos e assediados moralmente pela direção.

Trecho do abaixo assinado elaborado pelos alunos:

“Os argumentos que a equipe gestora tem a favor da construção dos muros são os seguintes: a escola é muito vulnerável e aberta, isso possibilita a invasão e depredação dos espaços do prédio escolar em horários que não está funcionando, a “cabulação” das aulas e o uso de drogas no interior da escola, seja nas arquibancadas ou na pracinha que foi recentemente construída pela comunidade em um dia de voluntariado com ajuda da fundação ALCOA e da Ong. ELOS.

Nós alunos do AMAL (Antônio Manoel Alves de Lima) entendemos tais argumentos e a preocupação da equipe gestora, no entanto a construção dos muros não irá resolver os problemas listados acima, só vai escondê-los e os mesmos irão continuar existindo, pois a construção dos muros só isola os problemas e não os resolve.

Por fim queremos deixar nossa insatisfação de como as coisas são feitas nessa escola, nós alunos não somos incentivados a participar dessas reuniões e muitas vezes nem avisados do acontecimento delas. A escola tenta ensinar e falar em cidadania e democracia, mas democracia pela metade não é democracia.”

Em solidariedade aos estudantes que lutam e aos professores que protegem a participação política dos estudantes nas escolas, o Katu escreve esta nota em repúdio à gestão autoritária e repressora escolar, e apoia a luta dos estudantes por processos horizontais, libertários e democráticos de decisões no ambiente escolar.

Encontro aberto do Katu

Neste domingo, dia 01/12, às 10 horas, acontecerá um encontro aberto do Coletivo Katu. Será uma roda de conversa sobre o coletivo, onde falaremos sobre quem somos e o que fazemos.

O encontro será dividido em duas parte. Iniciaremos com uma apresentação do coletivo, onde faremos um resgate da história do coletivo, apresentaremos nossos principios e apontaremos quais as ações que realizamos até o momento. Em seguida faremos uma avaliação de algumas dessas ações, que aconteceram no decorrer deste ano.

Estão tod@s convidados para participar. Para nós é muito importante a presença de tod@s que estiveram envolvidos de alguma forma em nossas ações e/ou tem interesse em conhecer mais sobre o Katu.

Local: Sacolão das Artes – Av. Cândido José Xavier, 577, Parque Santo Antônio

Educação e capitalismo: a proletarização do docente

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Educação, muita treta!

Ai, tiozão sabe porque a gente num gosta de escola?
Não!
Por que é muita oreada no bagulho, muita falação?
Como assim?
Irmão, a única coisa boa da escola, são as menininha. Lá tem várias.
Tô ligado. Foda né?
Orras… se num tá ligado. Só passo por que colo da meninas e desenrolo bem com os professo.
Ai, se viu o que aconteceu com os professores no Rio ontem?
Vi. Mó covardia. Tem professor que já tá cansado e não qué mais nada, só ganha o dele, mas a maioria é firmeza. Tem que respeitá, tio.
Pode crer. Teve uns que saíram sangrando.
A policia é covarde. Ae num é o governo que paga o professor e a policia?
Tem professor que recebe do município e professor que recebe do estado, mas é tudo dinheiro nosso.
Tá vendo. O próprio governo num respeita os professor.
Foda. Mas e ai, vai colar na escola hoje?
Putz que dia é hoje?
Quarta.
Tem jogo hoje?
Não sei. Porque?
Se tiver jogo, não tem aula. É sagrado.
Nossa, desde o tempo que eu estudava. Que fita.
É quente. Hoje é só carteira vazia e losa sem lição.

Texto e foto por Joseh Silva

– –

Muito tem se debatido sobre o papel do trabalho do professor na produção capitalista. Realizá-lo suscita questões que merecem uma pequena discussão: até onde é correto afirmar que o trabalho docente é ou não é improdutivo? É certo que a produção de riqueza material resulta do trabalho produtivo realizado diretamente sobre o objeto pelo trabalhador manual – ou seja, a transformação de um bem material em outro bem por meio do trabalho humano, produzindo riqueza e gerando “mais-valia” –, e que os técnicos, os engenheiros, ou até mesmo o conhecimento intelectual que possui o operário, não acrescenta, de fato, valor direto e real ao produto final, não produzindo riqueza adjacente do que o próprio trabalho manual já realiza. No entanto, observar mecanicamente o processo produtivo a partir da fragmentação de seus elementos constitutivos pode nos dar falsas impressões desse intrincado processo.

Os últimos 40 anos acompanharam uma drástica reestruturação no modo de produção capitalista. Uma das formas de obter melhores resultados na produção de riquezas foi englobar num mesmo contexto de trabalho os diferentes sujeitos do processo geral. Trabalhadores manuais continuam tendo o papel fundamental na reprodução do capital, contudo, os trabalhadores improdutivos, que dão as condições necessárias ao trabalho produtivo, tiveram acentuados a sua participação nesse processo (FRIGOTO, 2001). A isto chamamos de trabalho social. Nesse trabalho, aqueles que antes eram considerados “intelectuais” são inseridos mais diretamente no processo produtivo e sofrem um processo de proletarização, com uma queda visível dos níveis salariais, e suas condições de trabalho e de vida são precarizados.

Gaudêncio Frigoto avalia que a partir de O Capital (capítulo VI) o trabalho coletivo alcançou um nível de alargamento que evidencia sua importância no atual estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Diferentes trabalhadores (produtivos e improdutivos) estabelecem relações diferenciadas com o objeto produzido, no qual há a predominância e visibilidade do trabalho produtivo, mas o conjunto dos trabalhadores envolvidos nas relações sociais de produção exerce coletivamente o trabalho produtivo. Mas o conjunto desses trabalhadores, que possuem força de trabalho de valor diverso, embora a quantidade empregada permaneça mais ou menos a mesma, produz resultado que, visto como resultado do mero processo de trabalho, se expressa em mercadoria ou em produção material; e todos juntos, como órgão operante, são a maquina viva de produção desses produtos; do mesmo modo, considerando-se o processo global de produção, trocam o trabalho por capital e reproduzem o dinheiro do capitalismo como capital, isto é, como valor que produz mais-valia, como valor que cresce. (MARX, apud FRIGOTO, 2001, p. 148)

Indicamos para o aprofundamento o livro “Proletarização do Professor – neoliberalismo na educação”, de Áurea Costa, Edgard Fernandes Neto e Gilberto Souza.

Bibliografia:

“Educação, trabalho e proletarização: O professor enquanto trabalhador docente”, CÁSSIO DINIZ HIRO

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Juventude e alienação

Repensar o papel educação na sociedade coloca a todos que aceitam esse desafio uma primeira reflexão: mas afinal, qual é o papel da educação na sociedade capitalista? No último texto publicado, denunciamos os inúmeros ataques que acontecem aos direitos da juventude e também a criminalização da juventude pobre, com as campanhas pela diminuição da maioridade penal. Para nós, compreender o papel da educação é também compreender a motivação desse discurso de que todo jovem pobre é um criminoso em potencial, pois são questões que estão diretamente conectadas.

Porque criminalizar a juventude? Isso pode causar estranhamento a muitos. Para responder isso, podemos usar uma citação do texto anterior: “como todos sabem a juventude é a maior força contestadora da sociedade vigente, seus modos de ser e agir entram diretamente em conflito com os padrões estabelecidos pelas gerações que as antecedem. A sua radicalidade, sua força transformadora, sua consciência critica, podem atacar diretamente a sociedade conservadora e os padrões da sociedade capitalista”.

Então, a criminalização da juventude busca por tirar a voz dos jovens, e colocar eles num estado de tranquilidade, tirar deles toda a rebeldia, as insatisfações, e gerar consensos. E é nessa perspectiva que aparece a educação, mas de uma forma bastante mais aprofundada. Aí surge a necessidade de compreender totalmente o papel que a educação cumpre no sistema capitalista.

Primeiramente, há uma ligação direta entre educação e trabalho, pois afinal, o estudo é um meio para se chegar ao trabalho. O estudo na escola pública te ensina o que é necessário para os trabalhos mais básicos, e quanto mais se estuda, melhor é o trabalho que se consegue. No entanto o trabalho é em si também um meio, mas um meio para “subir na vida”, ou seja, um meio para receber um salário melhor, e consequentemente para aumentar sua possibilidade de consumo. Então podemos dizer que o estudo, assim como o trabalho, é um meio para aumentar sua possibilidade de consumo. Este é o primeiro problema que vemos na educação capitalista, a sua função não é gerar conhecimento, e sim a mesma função de toda atividade humana neste sistema: gerar consumo.

A educação que é garantida pelo estado, a educação pública do ensino fundamental e médio, é onde estudam em grande parte os filhos da classe trabalhadora. Estas escolas em grande parte são sucateadas, e tem sérios problemas de infra-estrutura. Acreditamos que um espaço educacional público deve ter melhores condições para os trabalhadores e alunos que ali frequentam, no entanto para nós o problema do ensino público não é só o sucateamento, e não concordamos com uma a análise que se baseie somente nisso.

A escola pública cumpre um papel ideológico fundamental ao capitalismo. Nessas escolas é onde se ensina à juventude, ou podemos chama-los de futuros trabalhadores, a ideologia dominante. Lá, quando ainda são novos, é onde são criados os consensos ideológicos, com o ensino de conteúdos distantes e alheios aos jovens, onde estes não se enxergam naquilo que aprendem. Muitos jovens saem da escola sem compreender a sua história, a história do bairro e da cidade onde vivem, a organização política do estado regente, e, talvez o mais importante, sem ter uma análise critica. Após isso, estes entram no mercado de trabalho já anestesiados, o que diminui a possibilidade de questionarem sua situação e se revoltarem. Então, acreditamos que o ensino público é estratégico para o capital, pois é onde se forma trabalhadores obedientes, e para nós não há possibilidade de mudar esse quadro sem o fim desse sistema.

A escola pública é estratégica ao ponto de inclusive contribuir no processo de criminalização da rebeldia da juventude que foi citada nos primeiros parágrafos, e talvez da pior forma. Através do discurso criminalizador, jovens que fazem parte da mesma classe social, que são trabalhadores e/ou filhos de trabalhadores, perdem a identidade entre eles, pois alguns acreditam na educação que recebem, pois acham que aquilo pode melhorar sua condição de vida, mas existem outros que não acreditam. Estes outros são os que se rebelam, e que fazem ações que podem ser encaradas como desobediência, e em muitos casos a escola o criminaliza por isso. Devido a isso, estes jovens são vistos de formas totalmente diferentes pela sociedade, apesar de terem diversas semelhanças.

Então para nós a alienação da juventude começa na educação pública, no sentido de criar jovens que são somente reprodutores de conhecimento e que quando chegarem a idade adulta serão coniventes com a ideologia dominante que os oprime. Estes não conseguem perceber que eles são os que mais sofrem com as mazelas das desigualdades sociais geradas pelo capital, e também não enxergam que eles são donos de sua história e da história de seu classe, e que cabe a eles a transformação desse quadro.

Nós somos um coletivo de anti-capitalista. Somos educadores, mas não acreditamos na educação dentro dos parâmetros capitalistas. Defendemos que a única forma de melhorar a educação pública é através da uma revolução completa do sistema educacional. Defendemos que a única forma de termos uma educação de qualidade, com um ensino emancipador e crítico, e onde o seu fim será o conhecimento em si, é com o fim da escola capitalista. E por isso fazemos formações com jovens, dentro das escolas e fora delas, porque acreditamos na rebeldia dos jovens e no seu potencial transformador, e que podemos lutar juntos por uma nova sociedade.

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Os direitos da juventude

A juventude no Brasil sofre inúmeras violências, descasos, negligências e discriminação. De todos os termos o último causa maior estranhamento. Como assim? A juventude brasileira sofre discriminação? Um exemplo disso é a criminalização do funk, pois com isso se criminaliza também os jovens da periferia, já que é um dos principais estilos musicais ouvidos por eles.

São também constantes os ataques feitos pela mídia, com o apelo da relação entre juventude e criminalidade e as campanhas pela redução da maioridade penal no Brasil. Por isso, os jovens pobres são tidos por muitos como possíveis criminosos, por serem inimputáveis. Esses argumentos buscam por deslegitimar toda e qualquer forma de manifestação política da juventude.

Contudo, a quem interessa essa imagem dos jovens? Quais são os verdadeiros ganhos de uma geração inteira desacreditada? Como todos sabem a juventude é a maior força contestadora da sociedade vigente, seus modos de ser e agir entram diretamente em conflito com os padrões estabelecidos pelas gerações que as antecedem. A sua radicalidade, sua força transformadora, sua consciência critica, podem atacar diretamente a sociedade conservadora e os padrões da sociedade capitalista. Sua luta por direitos no Estado elitista e reacionário brasileiro pode gerar profundas transformações. E isso todos nós sabemos que não interessa nem a elite e nem aos nossos políticos.

Atualmente grandes ataques tem acontecido aos direitos dos jovens sem que isso ganhe repercussão. Podemos listar centenas de situações de descasos e violências. Para compreender isso, devemos fazer a seguinte reflexão. Onde se encontra a juventude de nosso tempo? Quais seriam os espaços privilegiados para o seu desenvolvimento? A escola, a rua, os centros culturais, as bibliotecas, os cineclubes, os parques, os centros esportivos e muitos outros. Contudo, esses espaços são sucateados, precários ou inexistentes. A situação de alguns deles, como as escolas, chega a ser vergonhosa. As ruas viraram sinônimo de marginalidade, e grande parte das ONGs fazem “campanhas” para tirarem os jovens das ruas. Será que não estamos ganhando mais uma vez “espelhinhos” para não lutar pelos nossos direitos?

Alguns dados relativos à situação da juventude são alarmantes. Um documento publicado pelo IPEA em 2008 afirma que “há 51 milhões de jovens entre 15 a 19 anos no país, quase 1/3 da população brasileira de 186 milhões. Deste segmento, na faixa dos 15 aos 17, apenas 48% estão matriculados no ensino médio. Nesta faixa etária, 18% estão fora das escolas e o percentual de evasão eleva-se a 66% na faixa dos 18 a 24 anos. As principais causas para tais números, no caso dos meninos é o trabalho, para as meninas é a gravidez na adolescência”.

Se essa situação precária não bastasse, o relatório prossegue “o desemprego atinge 46% do total de jovens entre 15 anos e 29 anos no contingente nacional de 51 milhões de jovens; e 50% dos ocupados entre 18 anos e 24 anos são assalariados sem carteira. 31% dos jovens de 15 a 29 anos apresentam renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo, dado agravado para as mulheres e também para os negros – estes representam 70% dos jovens pobres”.

Mas, este não é a única situação. Todos os dias estamos perdendo meninos e meninas numa sociedade violenta e preconceituosa, pois a “pesquisa também revela duas das maiores causas de mortes na população juvenil: a violência e os homicídios correspondem a 38% das mortes, enquanto os acidentes de trânsito ceifam outros 27%”. Quando tratamos de jovens negros, conforme dados do Programa Juventude Viva de São Paulo, cerca de 69% dos homicídios na região de M’boi Mirim são de jovens negros.

Até quando acreditaremos na história de carochinha da grande mídia? Permaneceremos calados?

Para saber mais:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livro_juventudepolitica.pdf

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Por que “Círculos de Cultura” e não “Círculos de Educação”?

Grandes pensadores tem apontado que as verdadeiras mudanças necessárias na sociedade são de ordem estrutural, e na educação não é diferente. Nós, enquanto um coletivo anti-capitalista, tentamos ter uma prática transformadora em nossas formações, na nossa metodologia e também em nossa discurso com os jovens. Ou seja, buscamos construir um espaço educativo diferenciado da educação tradicional, mais democrático e horizontal. Sendo assim, uma de nossas grandes referências é Paulo Freire e seus Círculos de Cultura.

Os Círculos de Cultura são onde acontece de fato a educação popular, existem princípios fundamentais: diálogo, participação, trabalho em grupo e respeito mútuo.

(…) Os projetos dos círculos de cultura do Movimento de Cultura Popular não tinham uma programação feita a priori. A programação vinha de uma consulta aos grupos, quer dizer: os temas a serem debatidos nos círculos de cultura, o grupo que estabelecia. Cabia a nós, como educadores, com o grupo, tratar a temática que o grupo propunha. Mas podíamos acrescentar à temática proposta este ou aquele outro tema que, na Pedagogia do oprimido, chamei de “temas de dobradiça” — assuntos que se inseriam como fundamentais no corpo inteiro da temática, para melhor esclarecer ou iluminar a temática sugerida pelo grupo popular.

Porque acontece o seguinte: é que, indiscutivelmente, há uma sabedoria popular, um saber popular que se gera na prática social de que o povo participa, mas, às vezes, o que está faltando é uma compreensão mais solidária dos temas que compõem o conjunto desse saber.

Uma das tarefas do chamado intelectual que a gente pode ser, uma delas é exatamente ver que, entre o tema “A” proposto pelo grupo e o tema “B” haveria um tema “A-B”. Precisaríamos de algo que nos possibilitasse a passagem da fronteira entre o “A”e o “B”. E isso é um dos trabalhos do intelectual, do educador comprometido. É ele ver como é possível viabilizar a compreensão mais crítica da temática proposta pelo povo. Isso era o círculo de cultura (Freire & Betto, 1985:14-15)

(…) É importante frisar até porque o próprio Paulo Freire o fez a diferença entre Centro de Cultura e Círculos de Cultura. Os Centros de Cultura abrigam os círculos de cultura, que podem ser bares, bibliotecas populares, teatros, garagens, clubes de futebol, ocupações etc. O Círculo de cultura consiste em um espaço de dialogo entre aprender e ensinar, onde não se tem um objeto, mas que todos são sujeitos de trocas de novas hipóteses de leitura de mundo (Freire, 1994:155).

É importante destacar que quando Paulo Freire fala “cultura”, ele diz respeito a ações do cotidiano, ou seja, a cultura é exatamente o cotidiano das pessoas. Então, cultura envolve a forma de alimentação, a saúde local, os meios de transporte, e também os fazeres artísticos, como a música, a dança, a pintura.

O trabalho para criação de Círculos de Cultura tem como base o trabalho comunitário de divulgação, ou seja, um trabalho de base feito na comunidade/região onde se pretende criar esse espaço de formação.

(…) Era feito um levantamento temático entre os participantes, que era estudado por toda a equipe de coordenação e de educadores com o objetivo de tratar dos temas que organizariam o programa a ser discutido com os participantes do círculo. Havia a preocupação com os aspectos didático pedagógicos, incluindo a utilização de todos os recursos de ensino possível, por exemplo, projetor de slides e gravador, o que para a época era o que de mais avançado havia em termos de recursos que poderiam ser colocados à disposição da educação (Freire, 1994).

Os Círculos de Cultura podem ser em si uma prática revolucionária, pois apontam para uma mudança, para um mundo onde todos tem o direito de se expressar, aprender e participar de forma coletiva e livre.

(…)  Em lugar de escola, que nos parece um conceito, entre nós, demasiado carregado de passividade, em face de nossa própria formação (mesmo quando se lhe dá o atributo de ativa), contradizendo a dinâmica fase de transição, lançamos o Círculo de Cultura. Em lugar do professor, com tradições fortemente “doadoras”, o Coordenador de Debates. Em lugar de aula discursiva, o diálogo. Em lugar de aluno, com tradições passivas, o participante de grupo. Em lugar dos pontos e de programas alienados, programação compacta, reduzida e codificada em unidades de aprendizado. (Freire, 1983:103)

Sem dúvida se estamos engajados em uma busca por processos libertadores, temos que descobrir formas libertadoras de aprender e ensinar. Para isso devemos buscar nos estudos da educação popular de Freire e outros, e compreender suas descobertas sobre processos livres de aprendizagem, que estejam comprometidos em desfazer convicções opressoras que causam o sofrimento de grande parte da sociedade. Nosso desafio é conseguir que todos cheguem juntos nesse conhecimento, para que não haja saber que não seja de todos.

O Círculos de Educação são frutos da educação tradicional, e nos preparam para esse mundo que conhecemos. Já os Círculos de Cultura se ocupam de construir coletivamente um novo mundo de trabalhadores empoderados, com conhecimento da história de sua classe social e de quem são os opressores.

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Fotos do Coletivo Katu! em atividade na EE Carolina Cintra e em um encontro na EE Oscar Pereira Machado

Trecho do texto “Educação e Comunidade”

Por Anderson Benelli, educador, grafiteiro, co-fundador do Coletivo Fora de Frequência e participante do Coletivo Katu!

Por que a rua atrai mais do que a escola?

Os(As) educandos(as) esperam da escola que ela seja um território de liberdade, essa expectativa aumenta quando o(a) aluno(a) também se sente oprimido em casa, e a escola deve ser esse território de liberdade. Porém, é importante que não confundamos liberdade com algazarra, a escola temendo a segunda se torna o oposto, um lugar de repressão.

A rua permite que o sujeito exercite sua autonomia resolvendo conflitos, vivenciando diversas experiências em contato com o outro e a realidade com a qual se identifica e, através de diferentes manifestações exerça sua palavra e, consequentemente, seu direito de “ser mais”. Ou seja, a rua se torna esse território de liberdade onde o indivíduo pode fazer suas próprias escolhas com as quais se identifica, rebelando-se contra os dogmas instituídos por um sistema social opressor, o indivíduo se sente livre ou pelo menos se libertando. Mas, como fazer da escola um território de liberdade?

É preciso eliminar as fronteiras entre a rua e a escola, entre a realidade e a educação. Os(As) educadores(as) precisam tomar como temas de seus projetos pedagógicos o foco de interesse dos(as) educandos(as), a rua os atrai mais do que a escola porque essa propicia o contato direto com esses temas, manifestações culturais e com a realidade.

É contraditório se pararmos para pensar que os círculos de cultura filosóficos de Sócrates e seus companheiros foram a base referencial da academia, já que essa, parece fazer o oposto em sua proposta. Enquanto nos círculos filosóficos que geravam debates conceituais sobre a condição humana no mundo e em convívio com o outro, onde todos ouviam e exercitavam a palavra. Nas escolas as carteiras são dispostas em fila com olhar dos(as) alunos(as) em direção ao mestre que, como um santo em um altar descarrega seu sermão que não deve ser interrompido pelos fiéis, deve ser ouvido sem questionamento porque o que ele diz é a verdade divina.

Nós educadores(as) precisamos repensar nossa prática de ensino/aprendizagem, nos apropriarmos das novas tecnologias, da rua, das culturas juvenis e da realidade. E a partir dos focos de interesse dos(as) educandos(as) problematizar nossa condição social no mundo e com o outro derrubando as fronteiras entre educação e realidade, escola e comunidade, educadores(as) e educandos(as). Assim, conseguiremos fazer do processo de ensino/aprendizagem algo realmente significativo, tanto para educandos(as) quanto para educadores(as), transformando a escola em um lugar de pertencimento, não só do educando(a) mas, de toda comunidade, formando sujeitos conscientes e engajados em busca de mudanças e melhores condições sociais para todos/as.

Leia o texto completo

Oficina de MCs - Momento composição  Oficina de MCs Momento ensaio

Fotos do Coletivo Fora de Frequência em uma oficina de MC

Educação e mudança

O direito à educação é sem dúvida uma conquista da classe trabalhadora, mas nos últimos anos, assim como tem acontecido com diversas outras conquistas dos trabalhadores, a educação está sofrendo um processo de sucateamento continuo.

Mas afinal, o que seria uma boa educação? Prédios chiques? Equipamentos tecnológicos? Para nós, só isso não é suficiente para proporcionar uma educação digna.

Se olharmos para o que as hegemonias econômicas capitalistas chamam de uma boa educação, é possível detectar falhas éticas e conceituais constantes. Na sociedade capitalista, vemos que em grande parte das escolas públicas ou privadas, a educação não segue princípios que para nós são fundamentais num processo formativo real:

  • Com difusão de idéias da ciência, da liberdade e da solidariedade para combater a coisificação da vida. 
  • Com um Ensino de caráter rigorosamente laico.
  • Com uma formação emancipadora, que seja contrária ao trabalho alienado. 
  • Contra a violência e todas as suas formas simbólicas, racismo, machismo, homofobia. 
  • Que entenda a felicidade como uma face imaterial da saúde.
  • Com uma educação questionadora, que análise os padrões sociais estabelecidos da sociedade.
  • Com uma escola que não sirva somente como um meio de controle e de consolidação o poder das classes dominantes.

Temos visto nos últimos meses um grande descontentamento social, onde a população ocupou as ruas, e pudemos ver um dos resultados dessa carência de uma boa educação, com a despolitização de grande parte dos manifestantes, e o civismo cego e exacerbado que beira o fascismo. Uma das origens desse problema está na falta de uma formação política, que deveria ser fazer parte do cronograma escolar obrigatório.

Segundo Alysson Mascaro (2013) o Estado, tal qual se apresenta na atualidade, não foi uma forma de organização política vista em sociedades anteriores na história. Sua manifestação é especificamente capitalista. Ele como aparato capitalista media a relação entre capital e trabalho. Sem ele, o domínio do capital sobre o trabalho seria total e direto, ou seja, escravidão.

Nesse sentido o Estado considera a educação pública uma ação sem valor, pois não produz lucro. A sua função é somente fazer parte da formação cultural do domínio ideológico. Nas escolas públicas, a classe trabalhadora é preparada para ser dominada, e nas escolas do filhos da classe dominante, estes são preparados para dominar.

Portanto, ensinar no atual momento histórico se tornou uma ferramenta fundamental de transformação dos paradigmas sociais e para a sobrevivência humana. Nesse sentido, não nós referimos somente ao fim das opressões da classe trabalhadora, mas também para irmos na contra tendência da cultura do consumismo e da mercantilização da vida.

Para os que são contrários aos rumos que sociedade tem tomado, ensinar não pode ser somente um trabalho, uma profissão, e sim uma luta, pois devemos levar à juventude o que o sistema de ensino não quer que seja levado. Devemos levar a política, o questionamento, e apontar a esse jovens uma perspectiva de vida que não é só a exploração, a alienação e a coisificacao da vida, e sim a luta por direitos e dignidade.

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Fotos do Coletivo Katu! em atividade na EE Professora Carolina Cintra da Silveira.