Por que “Círculos de Cultura” e não “Círculos de Educação”?

Grandes pensadores tem apontado que as verdadeiras mudanças necessárias na sociedade são de ordem estrutural, e na educação não é diferente. Nós, enquanto um coletivo anti-capitalista, tentamos ter uma prática transformadora em nossas formações, na nossa metodologia e também em nossa discurso com os jovens. Ou seja, buscamos construir um espaço educativo diferenciado da educação tradicional, mais democrático e horizontal. Sendo assim, uma de nossas grandes referências é Paulo Freire e seus Círculos de Cultura.

Os Círculos de Cultura são onde acontece de fato a educação popular, existem princípios fundamentais: diálogo, participação, trabalho em grupo e respeito mútuo.

(…) Os projetos dos círculos de cultura do Movimento de Cultura Popular não tinham uma programação feita a priori. A programação vinha de uma consulta aos grupos, quer dizer: os temas a serem debatidos nos círculos de cultura, o grupo que estabelecia. Cabia a nós, como educadores, com o grupo, tratar a temática que o grupo propunha. Mas podíamos acrescentar à temática proposta este ou aquele outro tema que, na Pedagogia do oprimido, chamei de “temas de dobradiça” — assuntos que se inseriam como fundamentais no corpo inteiro da temática, para melhor esclarecer ou iluminar a temática sugerida pelo grupo popular.

Porque acontece o seguinte: é que, indiscutivelmente, há uma sabedoria popular, um saber popular que se gera na prática social de que o povo participa, mas, às vezes, o que está faltando é uma compreensão mais solidária dos temas que compõem o conjunto desse saber.

Uma das tarefas do chamado intelectual que a gente pode ser, uma delas é exatamente ver que, entre o tema “A” proposto pelo grupo e o tema “B” haveria um tema “A-B”. Precisaríamos de algo que nos possibilitasse a passagem da fronteira entre o “A”e o “B”. E isso é um dos trabalhos do intelectual, do educador comprometido. É ele ver como é possível viabilizar a compreensão mais crítica da temática proposta pelo povo. Isso era o círculo de cultura (Freire & Betto, 1985:14-15)

(…) É importante frisar até porque o próprio Paulo Freire o fez a diferença entre Centro de Cultura e Círculos de Cultura. Os Centros de Cultura abrigam os círculos de cultura, que podem ser bares, bibliotecas populares, teatros, garagens, clubes de futebol, ocupações etc. O Círculo de cultura consiste em um espaço de dialogo entre aprender e ensinar, onde não se tem um objeto, mas que todos são sujeitos de trocas de novas hipóteses de leitura de mundo (Freire, 1994:155).

É importante destacar que quando Paulo Freire fala “cultura”, ele diz respeito a ações do cotidiano, ou seja, a cultura é exatamente o cotidiano das pessoas. Então, cultura envolve a forma de alimentação, a saúde local, os meios de transporte, e também os fazeres artísticos, como a música, a dança, a pintura.

O trabalho para criação de Círculos de Cultura tem como base o trabalho comunitário de divulgação, ou seja, um trabalho de base feito na comunidade/região onde se pretende criar esse espaço de formação.

(…) Era feito um levantamento temático entre os participantes, que era estudado por toda a equipe de coordenação e de educadores com o objetivo de tratar dos temas que organizariam o programa a ser discutido com os participantes do círculo. Havia a preocupação com os aspectos didático pedagógicos, incluindo a utilização de todos os recursos de ensino possível, por exemplo, projetor de slides e gravador, o que para a época era o que de mais avançado havia em termos de recursos que poderiam ser colocados à disposição da educação (Freire, 1994).

Os Círculos de Cultura podem ser em si uma prática revolucionária, pois apontam para uma mudança, para um mundo onde todos tem o direito de se expressar, aprender e participar de forma coletiva e livre.

(…)  Em lugar de escola, que nos parece um conceito, entre nós, demasiado carregado de passividade, em face de nossa própria formação (mesmo quando se lhe dá o atributo de ativa), contradizendo a dinâmica fase de transição, lançamos o Círculo de Cultura. Em lugar do professor, com tradições fortemente “doadoras”, o Coordenador de Debates. Em lugar de aula discursiva, o diálogo. Em lugar de aluno, com tradições passivas, o participante de grupo. Em lugar dos pontos e de programas alienados, programação compacta, reduzida e codificada em unidades de aprendizado. (Freire, 1983:103)

Sem dúvida se estamos engajados em uma busca por processos libertadores, temos que descobrir formas libertadoras de aprender e ensinar. Para isso devemos buscar nos estudos da educação popular de Freire e outros, e compreender suas descobertas sobre processos livres de aprendizagem, que estejam comprometidos em desfazer convicções opressoras que causam o sofrimento de grande parte da sociedade. Nosso desafio é conseguir que todos cheguem juntos nesse conhecimento, para que não haja saber que não seja de todos.

O Círculos de Educação são frutos da educação tradicional, e nos preparam para esse mundo que conhecemos. Já os Círculos de Cultura se ocupam de construir coletivamente um novo mundo de trabalhadores empoderados, com conhecimento da história de sua classe social e de quem são os opressores.

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Fotos do Coletivo Katu! em atividade na EE Carolina Cintra e em um encontro na EE Oscar Pereira Machado