Qual o papel do educador na atual conjuntura?

pm

Esse texto é baseado na discussão feita no primeiro Laboratório de Estudos de Educação Popular de 2014.

Em Junho do ano passado, quando manifestações tomaram as ruas de cidades em diversas regiões do país, a juventude assumiu o papel de protagonista de sua história como há muitos anos não se via. Ela saiu à rua e levou suas reivindicações ao estado da forma como deve ser feita, com luta. Naquela época já se falava sobre uma continuidade, que em 2014 a juventude novamente tomaria as ruas, e reivindicaria novamente políticas que de fato atendessem aos interesses do povo, e não das grandes empresas nacionais e multinacionais.

Já se precavendo com relação a isso, os governos deram inicio a uma política de forte criminalização das lutas, dos movimentos sociais, e na verdade de quaisquer pessoas que sejam contra os megaeventos e queiram de alguma forma se manifestar contrariamente. Hoje já se fala em lei antiterrorismo, e a polícia a cada dia demonstra suas novas estratégias de repressão à manifestantes.

Podemos dizer que 2014 têm suas características específicas de criminalização, impulsionadas pela Copa do Mundo. No entanto, essa é uma política que não começou em 2014, e nem no ano anterior. Na verdade, o que vemos nas nossas atividades cotidianas do Katu é que a política da criminalização está institucionalizada, e é praticada cotidianamente há muito tempo.

Como principal exemplo, trazemos para nosso território, o campo da educação. A escola pública é um grande exemplo, talvez até o mais emblemático pela amplitude que tem. Com raras exceções, a escola é um ambiente repressor, que criminaliza qualquer jovem que pense diferente do que do que a educação formal prega ou do que o Estado impõe. Esse, que deveria ser o espaço de formação da subjetividade, e onde deveria se aprender a conviver com o coletivo, a lidar com a diferença, nada mais é que uma fábrica de conhecimento, com verdades absolutas e sem espaço para questionamentos. Todos que questionam e que se recusam a ser só mais um a passar por aquela fábrica, se tornam “criminosos”.

Pudemos acompanhar no ano passado o caso da EE Antonio Manuel Alves de Lim, onde um grupo de estudantes se organizou e foi contra a construção de um muro pela direção de escola, que na visão deles atingia negativamente o ambiente escolar (Saiba mais). Devido a isso eles foram perseguidos pela direção, que ao invés de dialogar, optou por ignorar a reivindicação e tentou “resolver” o problema diretamente com os pais deles, dando aos estudantes nenhuma voz no que diz respeito às decisões na escola. Eles também foram fortemente criticados por parte dos professores, e sofreram até ameaças. A situação ficou crítica ao ponto da direção em determinado momento chamar a polícia para impedir qualquer tipo de manifestação, o que culminou em uma agressão física de uma policial contra uma estudante.

Este caso do Antonio Manoel não é a exceção, é a regra, é o que acontece em grande parte das escolas. Qualquer tipo de organização estudantil que tenha uma motivação política, que defenda realmente os interesses dos estudantes, e que faça isso com autonomia, é criminalizada pelas direções escolares, e em alguns casos até pelos professores.

Vemos também que a escola cumpre outro papel. Além de criminalizar, ela também ensina os jovens a criminalizar. A educação formal cria uma mentalidade limitada e discriminatoria, com regras estabelecidas pelo mercado e pela religião. Tudo que foge desse senso comum é tratado como algo criminoso, fora da lei. Esse talvez seja o ponto mais problemático do papel da escola na política de criminalização, pois após os jovens aprenderem isso na escola, elas levam para suas vidas. Com isso, a escola contribui para a criação de uma cultura homogênea, sem espaço para as diferenças, sem espaço para o debate.

Nas últimas semanas vimos um caso prático, quando uma pesquisa mostrou que parte da população brasileira acreditava que as responsáveis pelos estupros são as mulheres que não sabem se comportar (Saiba mais). Por trás disso está uma compreensão machista de sociedade, onde o comportamento das mulheres é pré-determinado, e as que não aceitam essas regras de comportamento devem ser punidas, ou seja, estupradas. Esse é um dos casos que pode demonstrar como a ação de criminalizar faz parte da sociedade, e para nós não há dúvida que essa prática começa na escola.

Então em meio a esse contexto, qual o papel do educador, este que acredita que outra educação é possível, uma educação libertadora e crítica? Um educador que não corrobora com o que relatamos, e que busca fazer diferente, busca quebrar essa lógica.

Acreditamos que ele deve assumir uma clara posição. Esse educador deve se demonstrar contrário à criminalização e contrário às regras estabelecidas e inquestionáveis. Ele deve usar seu espaço de ensino para passar outras ideias, ideias que estão fora do currículo escolar. Ele deve ser uma referência que nem a escola e nem estado são para os jovens, uma referência que é contra o racismo, o machismo, a homofobia, e todo tipo de opressão.

Esse educador deve assumir seu compromisso com seus educandos. Deve incentivar a organização dos estudantes, e defender sua autonomia. Deve dizer que eles não podem ser trabalhadores que somente obedecem e aceitam tudo, como querem o estado e as empresas, e que devem sim defender seus interesses. Deve demonstrar aos jovens que eles tem que ser protagonistas de sua história, e que devem ir a luta, pois somente assim se conquista mudanças.